Na cabeça o tilintar
das taças ao som de Tchaikovsky em algum café em Paris, entra um italiano “meia
idade”. Sim, um italiano! Nos meus sonhos parisienses não há espaço para o
preconceito europeu, há apenas a imagem do homem casual que entra e perde o fôlego
como se estivesse esperando alguém que nunca iria aparecer. O som ambiente era
o que dava o aspecto diferenciado daquele homem, pois um italiano entre tantos
franceses merecia um toque musical de erudição. Na pele de ninfeta logo me
senti alvejada pelos feromônios que incrivelmente borbulhava entre minhas
pernas e quase conseguia tocá-los. Rubor? Jamais. Uma dama jamais pode
demonstrar fraqueza diante de um italiano, não apenas pela fama de amantes
insaciáveis ou pela destreza com as mãos e boca, mas pela barganha feminina de
ousar não entregar de corpo e feromônios de primeira a uma sedução tão efêmera
quanto a de um italiano. Quanta ênfase a uma nação masculina! O fato é que
homens autossuficientes são perigosos, ao som de Tchaikovsky em Paris então,
nem se fala. Aquele café era formal demais para uma noite sexualmente atrativa,
o que eu precisaria era de uma aproximação mais descarada, afinal, o que eu conseguiria em um café além de
números de telefones de um estrangeiro? Vocês devem se perguntar como consegui
distinguir um italiano no meio de tantos franceses, entretanto uma mulher
preparada sabe farejar a polidez de um italiano que se preze. Contudo, jamais
poderíamos profetizar porque um homem
tão seguro de si estaria perdendo o fôlego, talvez se eu fingisse uma
indiscrição confusa entre um sotaque italiano e um inglês meia boca que realmente
me fizesse ruborizar, poderia pretensiosamente me aproveitar dessa falta de ar.
Entre o pensar e o agir há uma distância moral que me segurou por uns dez minutos,
em que meus olhos fingiam ler os compostos da margarina em cima da mesa.
Atrevidamente levanto dando ênfase ao pescoço e ao colo que estavam devidamente
preparados com os cabelos amarrados e um vestido com alças finíssimas que
quando em vez escapuliam ao ombro. O processo de ida até o banheiro é seguido
por um leve e fingido tropeço sendo reconduzido pela ajuda apática de um garçom
e uma olhada sem afetos do italiano, que logo voltou ao compasso da música e da
bebida. À essa hora Bach já havia entrado triunfante no cenário, chello no prelude 01, sim justamente
essa sonorizando minha quase queda, pensando em outra alternativa decidi que um
Moët & Chandon ajudaria a criar
coragem e fui até o bar, me posicionei, nem tão distante que ele não pudesse me
notar, nem tão perto que insinuasse uma aproximação intencional. Tão logo pedi
a taça, soltei um suspiro desajeitado de quem espera cansada e com sede o
primeiro gole de álcool da noite, apesar desse ser o único ato espontâneo da
noite, foi ele mesmo quem chamou a atenção do “meia idade” de Toscana, que surpreendentemente falava inglês muito
bem. As ironias disso tudo: um italiano em Paris falando inglês! Entretanto
além das ironias havia um demorado vinho que parecia contribuir para que o dito
cujo perguntasse seu realmente considerava Paris o centro das revoluções e
transformações do mundo moderno ou se tudo não havia sido forjado por uma França
cheia de si. Eu, obviamente só entendi o “cheia de si”, mas com uma sagacidade
impecável respondi que a retórica da tradição francesa era uma necessidade que
eles (seja lá quem for os “eles”) , foi quando o meu Moët & Chandon de salvação chegou e interrompeu a minha
resposta sem propósito, tomei um infalível gole e disse que adoraria não
contribuir para a arrogância francesa. O sorriso de canto dele era proporcional
a minha sutileza que estava escondida em mãos suadas segurando firmemente a
taça. Ele continuou sério, apesar de o semblante cultivar uma leveza, que me
condenou a continuar nessa empreitada, ao me levantar ele pronunciou o que me
parecia improvável e disse que esperava ansiosamente uma italiana que conheceu
ali naquele mesmo local dias atrás, entretanto deixou em aberto se era um encontro
ou se esperava que o acaso agisse. A curiosidade quase me levou a perguntar qual das duas
probabilidades era a mais aceitável, me calei e disse que hoje era a noite das
ironias, um italiano esperando outro em Paris. Ia voltando para minha mesa quando
surgiu o convite para terminar a garrafa
de Moët & Chandon em um espaço
menos melancólico, talvez seria difícil achar um pub estilo irlandês em Paris,
mas ainda existia a sordidez etílica da Belle
Époque, em que se bebia, comia e
fazia-se sexo com qualidade considerável. Perguntei se a italiana não se
incomodaria com minha presença, respondendo ao que seria uma pergunta obvia em
relação ao seu status civil, disse que a ausência dela era um fato fúnebre que
merecia ser contado compassadamente em um espaço com melhores acomodações. Não
foi difícil encontrar um local que conotasse sexo e bebidas, afinal, nem só de
amor romântico vivem os parisienses, as mesas dispostas separadamente umas das
outras com meia luz ao som de 13&
God, uniu o que alguns clamariam por socorro, nada mais paradoxal que é um
clássico Moët & Chandon com um
som indie alemão misturado com o som norte-americano. Não se sabia que poderia haver um sincretismo
sinestésico entre o clássico e o profano. A singularidade daquele momento era
perturbadoramente excitante, exceto pelo fato de que a visão da italiana se
tornara mais fúnebre do que a própria história ainda escondida. Inicialmente o
nome do italiano foi apenas balbuciado, não prestei muita atenção no que
parecia ser essencial (ou trivial), a vontade era de não conhecer sua
identidade, os que aos poucos se tornou facilmente aceitável para os dois. O
inicio da conversa foram apenas solilóquios entre o que ele pensava e o que ele
pensava, iniciou comentando como falava inglês em um espaço hostil para tal
idioma e que teve de sair de Toscana para encontrar alternativas profissionais.
Até esse momento o encanto estava quase se tornando desencanto, quando
finalmente iniciou a história fúnebre referida no café, em que a italiana
esperada no bar jamais chegaria, não porque estivesse morta, mas pelo fato de
que ele não a conheceu pessoalmente, era apenas divagações de alguém que
reconhece um conterrâneo em outros espaços, porém, era fúnebre pois encontrá-la
novamente seria uma obra do acaso ou do impossível, exceto o detalhe da
cegueira parcial que a impediu de reconhecer um italiano em terras francesas,
não era trágico, muito menos fúnebre mas ele sabia que eu jamais aceitaria o
convite se soubesse que ele iria direto as “vias de fato”. O vinho foi posto e
recolhido, estávamos levemente “alegres” quando soou World Outside , tecnicamente
estávamos próximos do que qualquer pessoa chamaria de sexo casual, no entanto a
música retardou um pouco nossa ida ao
lado mais escuro do bar. Sua conversa cheia de pretensões filosóficas
impulsionou um sono auxiliado pelo vinho, contudo o charme de um italiano não
acaba com um vinho e algumas arrogâncias platinadas em Fellini. Suas mãos
começaram a deslizar pelo ombro despido, o que me arrepiava não era
possibilidade do sexo, mas do não sexo, aquilo que poderia ser destruído por um
mínimo detalhe, como um toque errado, uma palavra não pronunciada, afetava meu
sangue de mulher fatal, o sentimento de jovialidade e bestialidade poderia
transtornar minha segurança. Tudo foi congelado quando a primeira oportunidade
do beijo apareceu, em duas bocas sem assunto cabem perfeitamente beijos quentes,
sedutores, cheios de língua e de saliva, lábios carnudos sempre me fascinaram.
A boca maravilhosamente proporcional a minha deixou que meus feromônios
exalassem pelo espaço ocupado por nos dois na mesa. Para um vestido bem
preparado há sempre uma mulher sem calcinha, que propositalmente deixa que ele
saiba de tal situação, ao conhecer tais objetividades de uma mulher moderna o
vestido é levantado com uma sutileza que jamais perceberia a ausência dele,
contudo a presença de uma mão quente entre as pernas denunciava a roupa entre
sua cintura que não poderia ser evitado, caso houvesse necessidade. Novamente,
sinto a jovialidade de uma adolescente transando no banco de trás do carro do
namorado, só que a culpa não é a mesma, o que torna o sexo bem mais leve.
Entretanto, entre a praticidade de um vestido e a complexidade de uma calça com
zíper tornou o que chamamos de situação complicada, não pela calça em si, mas
pelo local, chamar atenção dessa forma seria desnecessário. Sua atenção
voltava-se para que não houvesse gemidos altos que atraíssem plateias, o
tráfego de pessoas naquele bar era quase nulo, mas os poucos que o frequentavam
estavam atentos a qualquer som estranho. A sinalização de que estávamos em uma
situação unilateral foi que sua mão estava molhada e a calça ainda estava
fechada, porém se partíssemos agora, tínhamos o conhecimento de que o clima
seria quebrado e cada um partiria seja lá qual fosse o destino, continuamos
então discretamente para o quase impossível, sentar em cima de suas pernas com
a calça semi-baixa, o contraste entre as luzes vermelhas do bar e a escuridão
da noite proporcionou uma discrição quase impossível, difícil seria calar a
boca em um sonorizado gemido. A princípio, sentar foi fácil, a mão na boca
também, mas a flexibilidade de um italiano deixou a desejar, são bons amantes
em seus devidos espaços, lugares mais exóticos causam medo, não sei se é
particularidade de pessoas desse país, ou o proibido gera bloqueio. O fato é
que apesar do meu esforço a participação continuou unilateral, até que em uma
gozada triunfal saí de cima aliviada, afinal as reclamações de que as mulheres
são mais paradas na cama nem sempre procedem, nem sempre é na cama, nem sempre
falhamos, nem sempre italianos são bons amantes, nem sempre locais inusitados
proporcionam transas inesquecíveis.
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