quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Amor à infância.

     Ela choramingava sentindo uma dor fina, enquanto ele levantava o zíper da calça e a colocava de volta no banco do carona. E, sussurrando baixinho, ordenou:
        - Não conte a ninguém, será um segredo só nosso. E fez uma mágica com uma moeda para acalmar a sobrinha de cinco anos.
     Era cedo da noite quando o tio foi buscá-la em casa. Ela esperneava na casa da vizinha, sua mãe estava ausente fazendo os preparativos fúnebres do seu marido infartado.
     Ele a colocou em seu uno mille, no caminho parou em frente a casa de sua namorada, bateu mas ninguém atendeu. Chamou-a de puta, entrou no carro, olhou sorrateiramente para as finas, delicadas e cândidas pernas por baixo das curtas saias de criança florescendo no banco ao lado e perguntou
     - Você quer aprender a dirigir?
     - Sim. Respondeu timidamente a menina.

     Ele a colocou em seu colo, passando a mão direita por dentro da saia, a calcinha fina que obstruia a passagem foi logo afastada, e, metendo o dedo em sua novíssima juventude, arrancou-lhe um ruído choroso. Arrancou-lhe também a tranquilidade da infância, a saúde dos pensamentos e um medo atávico das pessoas.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

In. verossímel

Que noite! O engasgo do choro.. Naquele hospital com cheiro de feto, entramos no primeiro consultório vazio rasgando desesperadamente as roupas um do outro para enfim meter e abocanhar qualquer orifício que coubesse uma língua ou um dedo. Jorrava sangue do nariz, enquanto isso os pacientes andavam tranquilamente pelos corredores ouvindo os gemidos que se fundiam ao dos gatos embrenhados nos corredores. A madrugada crescia quando ele empurrava vagarosamente, ficando-lhe cada vez mais forte com um fiozinho de dor o pau que entrava e saia em ritmo de uma dança assimétrica. Ao locupletar de sangue os corpos cavernosos enrijeciam e rosnavam querendo sair. Com um pálido gemido, os gatos silenciaram, as pernas adormeceram e o leite que não alimenta abortou a operação “povoar a terra”.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

O velho que nunca cochilava

Ele era o mais velho do asilo, fora deixado muito cedo lá. Aos 53 anos, seu único filho já o havia abandonado e prometeu que sempre o visitaria, o sempre durou apenas dois meses. Os cheques chegavam rigorosamente todo quinto dia útil de cada mês. Ele não sofria de insônia, simplesmente não dormia, nem sonhava. Enquanto todos dormiam, ele jogava animado e sozinho o seu truco, adorava a solidão, por isso não teve esposa. Achava o sono uma perca de tempo, a velhice lhe proporcionou a seleção de seus horários e suas próprias atividades individuais. Todos os dias no findar das tardes, jogava xadrez e sempre perdia, para se fazer de bom perdedor. Odiava as frases feitas de idosos que repetiam papagaiosamente que ja aprendera as lições da vida, que os jovens achavam-se imortais e que artrite e artrose eram as piores coisas da velhice. Não era ranzinza, não era mal humorado, apenas silencioso. Não guardava rancor do filho, afinal foi fruto de uma noite de bebedeiras e de uma ejaculação precoce.Achava que Deus estava adiando sua morte, pois esperava ansiosamente morrer em sua cadeira de balanço com a maciez e tranquilidade de uma sesta após o almoço.

O jovem fanático

Nada lhe interessava, nem mesmo o sexo. Odiava música, qualquer tipo. Na verdade não suportava o barulho, enquadrava os seres humanos como incompletos, como se a evolução não tivesse terminada e a música como uma tentativa frustrada de auto-afirmação humana. Pensava na incompletude das coisas. Odiava os livros, pois temia sentir saudades dos personagens e odiava a saudade também. Nunca havia beijado, gozava só em suas poluções noturnas, e também não gostava de acordar sujo. Estudou só até a quinta-série pois odiava ter de decorar as coisas, odiava ter amizades porque não gostava de encontros que durassem mais de 5 minutos. Odiava pensar na morte, pois odiava pensar em sua mãe chorando por ele. Pensava em ir embora para as montanhas e viver como um ermitão, mas odiava rótulos. Só havia uma coisa  de que gostava, do seu próprio umbigo, lhe parecia tão diferente de tudo que conhecia, todas as dúvidas se dissiparam no dia que percebeu a aura envolta dele, era impreciso e inchado, não cabia em si. Era só disso que ele precisava, de seu próprio umbigo.

Filmes que levam a outros filmes

Lembro da emoção ao assistir Meia-noite em Paris de Wood Allen, é um lindo filme com clássicos artistas da tão aclamada Europa, com um rico legado de artes plásticas, literatura, filmes, entre outros. Um clássico atrás do outro, exaltando a beleza de cada época com um saudosismo extremo que até embarca o ator principal em uma impressionante viagem  à época de cada um dos artistas apresentados. Agora a realidade, os filmes de Wood Allen entre outros cineastas apresentam uma Europa exuberante, rica, fiel a sua cultura e extremamente ligada aos valores eurocêntricos. E as devastações que ocorreram? Partir da realidade dos artistas ou partir da realidade de "normais" que sofreram com as duas Grandes Guerras (fora as outras guerras consideradas 'menores'). São bons filmes para chafurdar em uma saudade intelectual(lóide), mas temos ótimos filmes pra quem gosta de um choque de realidade não menos intelectual (pra quem insiste nesse discurso) como Ladrões de Bicicletas de Vittorio de Sica, que retrata as devastações na Itália pós-guerra, Asas do Desejo de Win Wenders e as inquietações e frustrações em Berlim. Canção da Primavera, que também representa a vida pós-guerra na Iugoslávia e a falência dos regimes socialistas. É obvio que cada cineasta traz em seus filmes as representações que bem entender e é tudo uma questão de gosto.Agora o feedback negativo: o próprio Wood Allen remete também ao filme O declínio do Império Americano de Denys Arcand que faz uma crítica muito engraçada a respeito de quase tudo, desde os diálogos intelectuais psicanalistas de um ciclo vicioso pan-sexualista freudiano no qual a maioria dos acadêmicos da área de humanas e sociais se prendem até os rituais sexuais da raça humana para barganhar o coito tendo de se valer de todo pedantismo de leituras desconhecidas ou de filmes aclamados não-americanizados. É bom se deliciar com bons filmes, mas ninguém é obrigado a ter um choque orgasmático com um filme de Godard por exemplo, assisti Viver a vida e nem por isso tive um surto de inspiração estilo maio de 1968, talvez não tenha lido o suficiente sobre, mas tem filmes que você não precisa ler resenhas para entender. Inspirações, inspirações, inspirações. Apenas uma mentecapta falando de filmes.

O sono dos justos

Ele sempre acordava cedo todas as manhãs, não tomava café pois fazia mal, não consumia açúcar, não bebia, não fumava, sexo só com camisinha. Era o mais pontual da firma, nunca deixou de votar, assistia aos horários eleitorais, debatia sobre política, dominava a retórica como ninguém. Só tinha um defeito, escutava suas músicas prediletas no último volume e relutava quando indicavam o uso de fones de ouvido , considerava um insulto à sua liberdade de expressão. Foram dois tiros secos que ecoaram pelos apartamentos daquele prédio, o homem que gostava da música alta já não escutava nada mais. O autor  dos disparos ria e vociferava: vai escutar música alta lá na casa do caralho. Logo após ele pensou que o silêncio lhe incomodava e desceu um tio certeiro em sua própria cabeça. Diagnosticaram o homicida-suicida como louco. Ele que era louco?

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A eterna fase fálica

Ele amava festas, ficava eufórico quando seus amigos boêmios o convidava para orgias musicais. Era considerado o ébrio da festa, um perfeito bon vivant. Sua esposa sempre lhe cortava o tesão quando lhe dizia que era preciso ter regras, trabalhar e viver moderadamente. Ele dava com os ombros e saia para beber rigorosamente as 18:30. Certa tarde ele foi convidado para uma intrigante festa à fantasia em que não podia levar acompanhante, ele sabia que compraria briga com a mulher mas ela logo o perdoaria. Comprou uma fantasia de vagalume e encaixou uma lanterna entre a fantasia e a bunda. Saiu de casa escondido, colocou a fantasia em uma sacola, foi ao shopping e se trocou, chegando na festa começou a beber e dançar, lá pelas tantas da madrugada, já cansado resolveu sentar de uma só vez, e a lanterna alavancou-lhe uma socada no rabo que ele caiu no chão chorando de dor, suas pregas abriam e fechavam como se chorasse junto. O levaram para o pronto-socorro, lá teve de fazer uma micro-cirurgia para a retirada da lanterna, voltou para a casa envergonhado, não precisou nem pedir desculpas à esposa pois a desgraçada ria freneticamente. Foi notícia na cidade, passou até no jornal local, virou motivo de chacota, após meses ainda se ria do ocorrido. Em um domingo faltou energia e por ironia sua esposa logo achou uma lanterna, e pôs-se a rir sozinha, ele relutou mas riu também, e até pensou que há uma linha tênue entre a dor e o prazer.

(Baseado em uma historia contada no Programa do Ratinho há uns 10 anos)

1979

Era natal de 1979, ouvia-se nos rádios a comemoração da conquista da Lei de Anistia, ampla, geral e irrestrita. No auge dos seus 67 anos ele não entendia bem o que isso significava, mas falava-se bastante em liberdade, que agora as coisas seriam diferentes. Morava em uma cidade pequena, estudou até a quinta série e logo precisou trabalhar. Todos os dias pelas 6 horas da manhã, enrolava seu fumo e bebia uma xícara de café no quintal, ligava o rádio, escutava que o Brasil estava mudando e não entendia bem o que isso significaria para ele, na verdade só suportava escutar esse lenga-lenga pois esperava ansioso as músicas de Baby Consuelo e Angela Rô Rô. Não tinha esposa nem filhos, sempre achou as relações humanas enfadonhas, na verdade nem sabia o que era algo enfadonho, mas sentia, sentia não suportar mulheres por mais de um mês em sua casa. Uma vez, quando jovem namorou durante 15 dias uma mulata, mas ela queria morar junto, ter vários filhos e chamar de amor, e ele pensava: Mamãe sim me amava de verdade. Logo enjoava de todas, depois do sexo queria logo se vestir e ir embora, por isso preferia sua mão como companheira. Na noite de natal, as árvores cheias de pisca-pisca, as pessoas comprando e embrulhando presentes, e ele apenas preocupado com o que ia beber a noite. Nesse dia ele vestiu sua bermuda de sempre, foi até a farmácia e comprou um hidratante de calêndulas, passou no bar da esquina e comprou um litro de campari e voltou na mesma cadência. Sentou em sua cadeira de palha predileta, passou hidratante nas mãos e começou a bater punheta, e o rádio tocando 'amor, meu grande amor', a música era bonita, ele confessava, pensava nas mulheres que poderia ter conhecido, e nas noites perdidas caso tivesse casado, os pensamentos era intercalados entre os peitos da vizinha que se trocava com a janela aberta e toda a vizinhança conhecia o modelo do seu corpo. Tocando-se pela terceira vez ele cochila mansamente.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A vingança

Após perceber em frente ao espelho que o supercílio direito estava cortado, murmurou: "ainda arranco-lhe os bagos". Ela não queria estar na pele dele. Disse: "amor to indo a feira, comprar aquela galinha caipira que você tanto gosta". Entrou no mercado popular da cidade e comprou três metros de corda, um milho e uma lata de óleo, teve de comprar a galinha caríssima, mas valeria a pena. Chegou em casa e ele falava ao telefone com uma de suas amantes e se despediu sem diminuir o tom de voz "tchau  gostosa que a vadia voltou". Viu a galinha e insinuou uma semelhança, ela soltou um sorriso sem graça. Ele pegou uma latinha de cerveja e ficou deitado na cama assistindo enquanto esperava a janta, acabou cochilando na cama, ela dividiu a corda em duas e amarrou devagarzinho os pés e as mãos do esposo, mas antes tirou-lhe a cueca, esquentou o óleo na frigideira durante 15 minutos e quando ele para todos os lados espirrava, atirou-o em cima do pau, ele deu um grito estridente de dor, olhou para o seu fiel e viril escudeiro agora todo murcho e disse: "Vou te matar, sua puta louca, vou te esquartejar e te botar pros cachorros." Ela ria, e muito. Virou-lhe de bruços na cama, abriu seu cú com toda a força que lhe restava e enfiou a espiga de milho de uma só vez, que o fez sangrar e gemer  alto. A galinha tão almejada, ela pegou o fel e o obrigou a engolir. Saiu do quarto e foi fazer a janta. 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Te adorando pelo avesso...

As pernas estavam bambas. Ela apanhara muito, esganiçava quando ele puxava seus cabelos, os pontapés na barriga a deixou rôxa. Ela implorava várias vezes para deixá-la com vida, mesmo que apanhasse bastante, achava que ainda havia muito a viver, achava. Ele iniciou o ritual diário rasgando sua blusa, amassando seus peitos, mordendo, abria-lhe o zíper do short e finalmente metia-lhe o pau com tudo o que podia, com toda força. Obrigava-a engolir a porra e no final socava o seu rosto até ficar inchado, até sumir os olhos. Ela sempre saia aos trapos, até a esquina e voltava, não tinha pra onde ir. Abria a porta e pedia perdão.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nem tão perto

Preciso te dizer, eu já sabia. Não precisa ser mestre em adivinhações. Alguém que mora na roça sabe quando vai chover, ela vai juntando os fatos e depois: CABRUMMM! Chove. Não precisei que alguém contasse, não precisei ver nada, eu já sabia. Do que você está falando? Cadê os travessões de nossa conversa? Espera, isso tá estranho. Tem como começar de novo? A pontuação está me confundindo toda. Não, eu estou escrevendo pra dentro. Só me escuta. Quando sonhas, se é que sonhas, você se solta, solta toda essa aparência de agrados e mentiras, aí dentro é tudo podre. Você não chora, você não goza, você não ri. Mas em seus sonhos você faz tudo isso junto. Como eu sei? Instinto. Não acredita em instinto? Então como você explica eu conhecer tanto de você. A gente não vive junto, não dividimos lenções mas eu sei até quando sua respiração tá mais forte. Me calar? Não, não adianta espernear, você não está lendo isso, você não precisa saber que eu sei, mas eu sei. Senta aí, não se levante antes que eu termine, cospe no prato que comeu, engole o gozo que saiu. Não sinta tanto nojo, de tua boca já saiu coisa bem pior, mas fuja, como um  gato foge do banho, fuja petrificado de toda verdade que abala tua mente, não me venha com essa síndrome de Asperger, o que você tem é apenas tédio, cada dia mais blasé.

terça-feira, 16 de abril de 2013


PROPRIEDADE PRIVADA

não tenho nada comigo
só o medo
e medo não é coisa que se diga

(Luiz Olavo Fontes In: 26 Poetas Hoje)









EPOPÉIA

O poeta mostra o pinto para a nanorada
e proclama: eis o reino animal!

Pupilas fascinadas fazem jejum.

(Antonio Carlos de Brito In: 26 Poetas Hoje)

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O sopro da verdade

         

                             
  (Essa é para ler escutando These boots are made for walkin - Nancy Sinatra)

             - Mete o dedo, mete o dedo!!!!! Só se ouvia os gritos:
            - No olho, bem no olho que é pra cegar. E se via os puxões de cabelo, os pontapés com erros de mira.
            - É a mãe! Sua va-ga-bun-daaaaa...
            - Soc!pow!
            Até finalmente se ouvir um estridente Ku klux klan. Não a "facção", mas o som da arma engatilhando e atirando, logo após tudo silencia. Aos poucos as pessoas vão se retirando, e apenas a autora do disparo dá um chute na cara para o grand finale e diz:
            - A mãe não, meter a mãe no meio é sacanagem.
            Não era sobre homem, não era sobre maquiagem, não era sobre moralidade, a discussão começou sobre o poder, a ascensão feminina, o exemplo da Dilma, o sequestro, a ficha suja, as armas. Até onde ia a liberdade feminina e a aprendiz de homicida solta a pérola:
             - As mulheres lutaram tanto pelo poder que agora que conquistaram não sabem onde enfiar.
             - Chauvinista, preciso te dar uma aula sobre a década de 1960. O que as mulheres tiveram de passar pra conseguir dar a opinião ao invés da buceta. Coco Chanel, Nancy Sinatra, Carol Hanisch e tantas outras que deram voz e ousaram em uma época totalmente dominada pelo machismo.
            - Você fala isso mas apanha do marido.
            - Apanho porque eu peço.
            - E depois ainda fala vem falar de independência. Que mulher em sã consciência gosta de apanhar do marido?
            - Aqueles que pedem, oras. E isso nada tem a ver com independência e direitos iguais, tem a ver com sexualidade, escolhas e fetiches. Freud Explica.
            - Porra de Freud, cara mal comido.
            - E o que você entende de psicanálise? Nada, você é uma mentecapta que nasceu com o polegar opositor por acaso.
            E por aí continuou a briga até os confins do diálogo racional, quando a futura defunta abre o berreiro :          
           - E ser corna, tem a ver com liberdade sexual? Porque eu dormi com seu marido, agora vai dizer que não se importa? Que tem um relacionamento aberto e livre de preconceitos? Quero ver até onde seus paradigmas de mulher moderna vai.
             E lá se vão todos os discursos apoiados em anos de estudos estratégicos sobre felicidade, relacionamento, terapia de casal, dissertações e teses. Quando a humanidade vem a tona, abre espaço para toda a ultraviolência latente e tudo o que se vê agora é uma roda  para a briga das duas irmãs no barzinho do Zé Pinguço e só se ouve um único tiro fatal, justo na garganta. Há quem diga que eram inseparáveis, nunca haviam brigado por nada, tomavam até calcinha emprestada, agora não toma mais.
           

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Picotes da madrugada



(Para ler escutando Ella Fitzgerald)



Os dois conversavam de madrugada sob a mesma cama dividindo o lençol e buscavam entrar em consenso sobre a efemeridade dos relacionamentos.Ela lembrou vagamente do livro da Hilda Hilst que havia lido dias atrás, ele lembrou do que leu no jornal e disse:
                - Você é de que?
- Eu sou pêssego
- Não! Digo, qual seu signo, virgem? Peixes? Câncer?
- Pois é, eu sou pêssego, acabei de inventar.
- Mas por que pêssego?
- Dentre as milhares de frutas que conhecemos, desgustamos e desconhecemos o pêssego existe  unicamente para o deleite do paladar e da pronúncia. Existem sabores que se encontram e até se confudem. Se colocar uma venda nos olhos e oferecer-te vários alimentos, entre eles , o pêssego  se destacará. Não é qualquer fruta, não se come no dia a dia...
- Eu nunca comi pêssego.
- Viu?!
- Hã? 
- Porque você nunca comeu pêssego?
- Porque nunca me interessei em provar, nunca nem vi no supermercado.
- É bem por aí a questão, os pêssegos não tem e nunca teve a pretensão de ser uma fruta conhecida como a maça, a laranja ou a banana. Ela é fruta dos que sabem apreciar um paladar diferenciado, daqueles que constroem uma trama para conhecer coisas diferentes. Não que você não esteja apto a entrar nesse mundo, mas é ainda desconhecido. Talvez como uma virgem deseja provar da primeira vez com todo o entusiasmo e a mágica de esperar flores e vinho do outro. Se ela encontrar um pêssego não vai se decepcionar, mas se escolher uma maçã podre irá amargar em sua boca, embora a podridão também tenha seus encantos. E, talvez ela nem esteja afim de pêssego, talvez queira mesmo a maça ou a banana. As pessoas fogem do pêssego por medo do preço, por isso escolhem a maça e a banana por saber que o valor é mais acessível.
- Agora você é uma mercadoria?
-Você entende de metáforas? É que as vezes pareço estar em outra dimensão, com outro dialeto e vai que...
- Lembro de ter estudado isso anos atrás, mas tá dando pra acompanhar mais ou menos,  só não entendi... é pra comprar ou não  o pêssego?
- Hummm, então... o preço do pêssego é uma assimetria, é algo que embora seja caro seu valor é inquestionável. Por isso sou o pêssego, não atendo ao chamado do comprador que não está reparando no valor nutritivo de sua “compra”, que se vê ansioso pela degustação, mas que procura nessa fruta a diferença, espera a oportunidade e sabe que não encontrará no mercado tradicional.
- Então você está dizendo que é uma fruta cara e só te compra quem tem dinheiro?
- Não literalmente, jumas!
- Jumas?
- Jume... esquece. Toma seu vinho e vá para casa que já esta amanhecendo.

sábado, 30 de março de 2013

Um drible, na verdade. (ou um drible na verdade)

O conflito entre as duas grandes potencias mundiais. Não, nada de Estados Unidos e União Soviética, me refiro as mulheres e os cartões de crédito. Aos milhares de nomes sujos devido a esse ciclo vicioso de achar que não está gastando, as lindas e loiras mulheres que consomem seus dias nas vitrines. Não sou mulher de cartão de crédito, não tenho nenhum e se tivesse não teria tempo para escrever, pois todos nós temos de descontar nosso tempo a algo que nos enche de prazer, o meu é escrever. Esse é um texto em minha homenagem, aquilo que eu sou quando todos piscaram e perderam algum momento sublime. Algumas pessoas olham para mim e pensam "Lá vai a menina dos seios fartos",ou a que "fala demais", a "irônica". O fato é que o olhar de fora é interessante, um brinde as milhares de descrições que ja ouvi a meu respeito nesse pouco tempo de estadia na terra. Inventei um neologismo engraçado que denomino de "Síndrome de Matusalém". Quem nunca ouviu falar nessa lenda da antiguidade? um dos homens que viveu mais tempo nessa terra, inventei essa devido ao fato de alguns amigos que se consideram velhos demais para isso, velho demais para aquilo, vividos e blá blá blá. Nem minha vó vive repetindo isso pra mim e olha que ela é uma senhora de 82 anos, canso os ouvidos de tanto ouvir "você é nova, ainda tem muito a viver" ou "você ainda pode fazer um milhão de coisas", te juro querer ter paciência para escutar tais sapiências (não era nem pra ter rimado). Confesso que sou impaciente com muita coisa, autoritária, irônica ao extremo, tento controlar meu instinto de fazer da vida uma piada, perco meu tempo com muitas coisas inúteis como a internet, falando besteira, lendo blogs, etc etc etc. Eu sou medíocre, aprendi o significado dessa palavra na oitava série com meu professor de português, aquela pessoa mediana que não ultrapassa as expectativas em nada, não sou um poço de força de vontade, poucas coisas me estimulam a continuar, não sou esportista, não toco nenhum instrumento, não sou estudiosa, me distraio com muita facilidade, amo literatura e filmes, amo a graduação que escolhi, embora esteja em constantes atritos por conta disso. Sou atraída pela dança, comecei a praticar bellydance e não fui persistente. Lembro que desde a infância sempre necessitei de um impulso de terceiros para não desistir, foi assim com a matemática, sempre tive problemas com essa disciplina, me atormentava até a oitava série e eu achava que essa é a pior coisa do mundo, até as preocupações se dividirem entre a química, física e biologia, aí sim a coisa ficou feia. As preocupações só diminuíram quando me inscrevi no vestibular da UEMA em 2008, fui por eliminação: Geografia tem cálculo, Pedagogia tem matemática básica, as outras nem preciso citar, então voi lá, HISTÓRIA. E como uma "cagada" da vida, passei para esse curso, tento lembrar como eu era antes de conhecer a universidade, como meus olhos brilhavam de esperança de um dia ser juíza e nadar em quaquilhões feito Tio Patinhas nos hq's que me encantaram na infância (aprendi em uma cartilha que o único juiz que existe é o de direito, o do futebol chama-se árbitro). Meu sonho de enricar acabou no segundo período quando simplesmente comecei a me apaixonar pela ciência histórica, embora não fosse a acadêmica mais aplicada, a cada texto, a cada livro, a reunião eu ia me entusiasmando, que eu me lembre a universidade foi a única coisa empolgante, na qual eu me dedicava incessantemente. Ia a todas as reuniões, brigava por aquilo que eu achava certo, arranjei muitas inimizades por conta disso (e do meu "gênio", seja lá o que isso for), o fato é que era isso que me dava tesão, passar o dia inteiro na UEMA, conhecendo tudo e a todos, mas isso teve fim, como "no compasso da desilusão", a realidade bateu a porta, como bate para qualquer pessoa, e a primeira realidade foi a da mortalidade, a doença do meu pai, perder minha casa, ter que arranjar um emprego, perder o sentido duas horas da tarde procurando sozinha um lugar para morar, acho que foi a primeira vez que botei os pés no chão, de como as coisas são duras e de os Matusaléns existem por conta dessas vivências, dessas desastrosas tentativas de sobreviver, mais "sobre" do que viver realmente. Sob essas circunstâncias, a vida, o respirar faz uma peneira das pessoas que sobrevivem ao nosso lado e suportam nessas insuportabilidades, ajudam-nos a regozijar de alguns momentos de chuva (para quem tem depressão sazonal é terrible). Como todo temporal tem sua força, as vezes somos empurrados para algumas coisas, nos distanciamos daquilo que é frágil, nos tornamos peças perfeitas no encaixe cômico da vida. Deus, o único que não deixou de povoar um dia minha mente, muitas vezes eu O envergonho com meus pensamentos, minhas falas egoístas, mas pela muita misericórdia dEle consigo manter-me firme sem pensar em pular de qualquer ponte ou banquinho e cair em alguma quina. Nessas circunstâncias eu me acho, aliás, achar é uma palavra nada firme, palavra que me ensinaram a abolir dos meus discursos, seja acadêmicos ou diários, ou é ou não é, o achar é sempre vazio. Nessa oportunidade de ter dedos para escrever agradeço solenemente a quem tem suportado as desventuras de minha companhia, por vezes azeda, por vezes bebendo "agua de chocalho", nunca tímida, sempre impetuosa mas exageradamente sincera.

O ópio dos intelectuais

"Quem discute com boi acaba mugindo"
É um lugar-comum, eu sei, mas lembro dessa frase toda vez que me deparo com pessoas que não estão dispostas a escutar. As Instituições de Ensino Superior estão cheias de discursos cientificistas e libertários, que buscam fomentar o debate sobre os males da humanidade e que defendem piamente a "liberdade de expressão". Mas o que significa essa liberdade de expressão? Segundo o Oráculo de Delfos da atualidade (google) A liberdade de expressão faz parte dos direitos humanos das pessoas e é protegida pela Declaração Universal de 1948 e pelas constituições de todos os sistemas democráticos. Esta liberdade supõe que todos os indivíduos tem o direito de se expressar sem serem recriminados por causa de suas opiniões. O que se vê atualmente entre os círculos acadêmicos é um maniqueísmo cheio de retórica científica entre os "racionais" e os "aracionais"(ausência de razão), o primeiro imbuído de cientificismo para induzir a ideia de que todos os que pensam a ideia de Deus ou qualquer ser transcendental são idiotas e estão infectados com a doença da ignorância(ideia propagada principalmente após as publicações dos livros do neodarwinista Richard Dawkins, como Deus, um delírio, o relojoeiro cego, O gene egoísta), o segundo preenche seus dias com discursos de prosperidade e amor ao próximo propagando ideias na internet e com poucas práticas positivas. O que me incomoda é ver que a cada dia as pessoas estão menos tolerantes, embora possuam discursos a favor das minorias e esquecem do respeito a pessoa humana, independente de pertencer a um grupo maior ou menor. Enriquecem sua dissertações, teses, ensaios sobre como a sociedade anda autoritária, fundamentalista, ausentando-se da culpa, e esquecem de suas piadinhas sarcásticas nas redes sociais. O irônico nisso tudo é que o discurso é sempre vazio, , estão sempre defendendo as minorias e não lhes dão a fala, defendem por eles e não com eles. Essa liberdade de expressão tão aclamada para o século XXI deseja extinguir os que pensam diferente das ideias cientificistas e qualquer forma de pensamento que não seja complacente com o teor acadêmico de "progresso da humanidade". Rogo por pessoas mais compreensivas, que respeitem mais as diversidades, não so postando foto no facebook dizendo o representa ou não, o que é fruto da invenção do homem ou não. O debate deve ser levantado, mas com argumentos sólidos e não sustentados pela dualidade racionalidade vs antiracionais.


quarta-feira, 27 de março de 2013

"Arte pela arte"

Este poema não existe
é fruto da falta de imaginação
Ele não é sólido
Ele não transcende nada
Não é dedicado a ninguém senão ao acaso
Não pertence a nenhuma tendência literária
É fruto da imaginação do escritor,
cujas mãos suadas lembra apenas de persuadir para que não morra de tédio.


domingo, 17 de março de 2013

Brincando com os tabus

Ela nem imaginava que um dia concordaria com Rita Cadillac. Desde nova sempre ouvia falar nessa locomotiva de sexo despudorado, as mulheres a odiavam, chamavam-na de depravada. Os homens?Ah, os homens passavam a adolescência revesando entre ela , Tiazinha e Feiticeira horas a fio no banheiro, no quarto, na frente da tv, homenageando essas deusas petrificadas que enchiam o imaginário popular de estórias e sacanagens. Foi justamente em uma madrugada sem sono, trocando de canal que reviu a sumida pornôstar falando sobre um dos maiores tabus do tão aclamado século XXI: o sexo anal. Ela então retrucou com uma participante do programa de auditório que declarou ainda não ter tido coragem de tal proeza, Cadillac declarou poeticamente: Você não sabe o que está perdendo. Fora dos espaços públicos dos bares, sozinha em cima da cama balançou a cabeça aprovando e logo se viu em um happyhour com a atriz e concordando com todas as putarias mencionadas. Começaram a conversar entusiasticamente sobre esse mal-do-século, a falta de coragem de declarar-se adepta e fã do sexo anal e  concentradamente injuriada vociferou que o ânus é injustiçado, é tão delicioso que nem deveria ser chamado de cú e sim "a menina dos olhos", aquele cujo os homens fazem loucuras, pedem em namoro, gastam horrores com jantar, motel caro, até estouram cartão de crédito só para conseguir essa barganha, ansiosos para ouvir os gritos escandalosos de medo e torpor. Lembrou também que algumas mulheres até preferem ceder a menina dos olhos primeiro para preservar o hímen e declarar-se virgem e pura, há toda uma mística e um enganamento psícologico para isso dar certo. Há também alguns homens assustados que ao passarem meses implorando pela dita cuja que quando finalmente conseguem, vão relaxar e fumar um cigarro e se deparam com uma sujeirinha no grande Lancelot e o veem em uma tonalidade diferente do habitual e sentem-se enojados, Cadillac pede encarecidamente que parem pra pensar um pouco, você estava em um cú e não em um playground, o que está em suas profundezas não é algodão doce. Após alguns goles imprecisos de imaginação, ela retoma a realidade de sua cama e lembra que amanha ainda era segunda-feira e o dia de anal era só às quartas.

sexta-feira, 15 de março de 2013

A fé de folhetim

Estou  farta, é isso, isso estou farta desse proselitismo neoateísta folhetinesco, desses que participam de fórum na internet, seguem blogs e comunidades pseudofilosóficas na internet, fazendo um debate raso contra qualquer tipo de religião, ao invés de debater sobre o respeito e o conhecimento, ficam se digladiando sobre quem tem mais razão. Cadê aquele ateísmo filosófico rico em argumentação? Que se fundamentavam em livros, ideias consistentes, o que eu vejo são apenas frases e pensamentos soltos sobre como os cristãos são "burros" e "alienados". Se tem um pensamento que cabe aos "dois lados" é essa: O meu povo perece por falta de conhecimento. Oséas 4:6. O que fizeram foi simplesmente jogar em uma panela só os cristãos, evangélicos, pentencostais, neopentecostais e transformá-los em verdadeiros idiotas, ridicularizando sem dar-lhes a chance de resposta. É fato que a grande maioria dos "cristãos" adeptos á teologia da prosperidade esqueceram os ensinamentos do Cristo, aquele mesmo de raiz que ensina o amar ao próximo como a si mesmo, ensina a ser humilde, a conhecer a verdade e a verdade libertar. Os verdadeiros ateus e agnósticos tem meu respeito, pois conheciam primeiro para depois recalcar, o próprio Darwin era teólogo e não era ateu, reconhecia sua humanidade e não se impôs como "semi-deus" ao propôr um pensamento racional à existência humana. Desde que os neoateus adeptos de Richard Dawkins, Michael Behe e sua turminha começaram suas campanhas quase que fundamentalista, recalchutando a fé em doença, transformaram milhares de pessoas em seguidores cegos que no máximo leram um resumo de "Deus, um delírio", provavelmente nunca leram "O relojoeiro cego" e outros milhares de livros que existem sobre o ateísmo filosófico e fundamentado em argumentos. O que eu vejo é pura retórica de facebook, raiva rasa de pessoas que não estudam e simplesmente lêem algumas frases e se intitulam Saulos contemporâneos. Apesar  de ser cristã, também rogo por cristãos mais leitores assíduos da bíblia, dos livros de profecia, e e que também sejam interpretadores exegéticos das escrituras, que tomem como referência os Santo Agostinho e São Tomas de Aquino, verdadeiros estudiosos e procuravam defender sua fé através de uma dialética, mesmo que premonitória. Procuro pelos amantes do conhecimento, que de tudo que lhes pareciam pertinente abria ao debate sadio, as pessoas pareciam estar mais abertas a ouvir, parece que todos foram tomadas por uma arrogância absurda e falaciosa que está imune a qualquer diálogo. É triste ver que em pleno século XXI encontramos cristãos e ateus idiotas e idiotizados, marcados pela ignorância sem fim de quem jamais pega em um livro para ler e refletir, construir suas próprias refutações e não ficar repetindo EU ODEIO, EU NÃO SUPORTO, EU SOU CONTRA.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Pedagogia da Idade

Ela era conhecida como "aveludada"
Quem ouvia falar, não imaginava que andava lá pelas 60 primaveras.
Tinha fama de que treinara bastante em todas as modalidades, desbancou negros, desmistificou n° de calçados, de baixinhos, de gordinhos, peludos, magrinhos. Fazia workshop, palestras, era chamada para comercial de sexyshop. Nenhuma mulher entendia seu segredo, ela demonstrava com frutas, consolos, mas nenhuma entendia a preferência pela velhota. Vários casamentos foram destruídos, príncipes destronados e tudo pelo bola gato que todos descreviam como epifânias. Havia apenas uma exigência, luz apagada, não por moral e sim pela manutenção do segredo, ninguém se negava a escuridão tanto porque não importava o resto como também a visão de corpo aos 60 não é das melhores. O fato é  que as novas jamais serão especialistas em coisas que só a idade poderá ensinar, como a queda dos dentes que a vida traz, para algumas senhoras so veem a dificuldade em comer milho cozido, já para ela, no alto da escuridão a dentadura voava para o copo e a saliva lhe rendia tragadas incontestáveis, com a destreza e maciez que só as bocas aveludadas poderiam dar.
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quinta-feira, 7 de março de 2013

Blasé


Ela não queria admitir, mas toda vez que bebia pensava em sacanagem acentuadamente, desinibidamente. Dançava pensando em sexo, comia pensando em sexo, cantava pensando em sexo, fazia sexo pensando em sexo, mas não como uma ninfomaníaca clichê que quer transar com desconhecidos, ela pensava em algo menos blasé, que tivesse algum significado, algo menos deliberado. A  possibilidade das casualidades, coisas menos escancaradas surpreendia, nada de sair pra dançar e dar, isso soa historia de adolescente querendo emoção pra contar no cursinho. A ideia de sair desajeitada e alguém olhar com uma maldade desinteressada acudia suas noite na cama esfregando-se entre os travesseiros, procurando desviar por entre a calcinha e pensar que existe alguém amoral o suficiente para perdoa-lhes os devaneios. Não que isso fosse o maior sonho, afinal sua vida sexual não poderia se resumir a encontros casuais e penetrações sem glória alguma, era apenas uma forma de distração. Nada de descrever “aquele sexo túmido”, ou “aquela vulva”, nem que cotonasse um esforço em conduzir uma narrativa encharcada de pretensões sexuais, e muito menos descontar sua falta de gozo em algum trauma freudiano e todo aquele discurso acadêmico. O que ela queria era simplesmente gozar, por entre os lenções, por entre os peitos, por entre os rios de pensamentos que de dia e de noite passeava-lhe tripudiando as nádegas, exigindo que as mãos lhe tocassem e botasse pra fora toda a lascívia. O toque d'outro era fogo, causava ardência, inflamava e a fazia suar, como quem está de primeira viagem descobrindo a eterna e deliciosa fase fálica da qual ninguém escapará vivo. Não era esporte mas também não podia perder a esportividade. O apego seria totalmente imoral e inaceitável, pois perpetuaria um segundo encontro que poderia parar na sala de casa assistindo tv com as crianças, era perigosíssimo! Mas ela tinha de arriscar.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O doce sabor da infância

Como a saudade que atormenta um grande amor, vem a saudade da infância
É como apreciar uma fruta, uma goiaba que eu comia todas as vezes que ia para a casa da minha vó
não era qualquer goiaba de supermercado, eu ia lá no pé e pegava, também não era só a fruta que atraia, era pela aventura. Subir na goiabeira e fingir ser malabarista contava com muita astúcia minha e de minhas primas. Aquela menina pequena e ranzinza que após um desmaio, sendo diagnosticada como princípio de anorexia, tão magrinha, tomando cobavital retomei a vida. As danças, os cachorrinhos e os bebezinhos eram tão interessantes, a inocência era como uma pluma que voa incansavelmente até achar seu chão, correndo contra o vento pulávamos ondas imaginárias ao acordar. A rede era o moto taxi, a agua da mangueira era o portão de entrada para o melhor clube da cidade, os pedaços de pau de fechar a porta eram nossos filhos prediletos, os bolinhos de chuva com suco de maracujá nosso piquinique. E como num salto eu cresci, esquecendo as bonitezas da infância, a saudade insolente bate a porta ao amanhecer, como uma mulher desnuda que pede por roupas, eu peço a vasta imensidão de lembranças, um espaço maior para a delicadeza de viver a melhor época da vida, a infância.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Queda, de Camus

Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfrear, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez.

Um Homem Liquidado, de Giovanni Papini.

O mundo é a nossa representação. (...) Há alguma coisa para além da representação? É a consciência uma janela fiel dando para a realidade, ou, antes, um sistema de lentes embaciadas e riscadas pela história, que filtram só imagens falsas e sombras incertas da verdade? E há deveras qualquer coisa por trás do conhecimento, ou apenas o nada, como por trás da vida? Seria talvez apenas espelho de si mesmo, casca sem tronco e roupagem sobre o vácuo? 
(...) O mundo é representação, sim, mas eu não sei doutras representações afora as minhas. As dos outros ignoro-as, ignoro a essência dos fenômenos inanimados. As mentes alheias existem apenas como hipótese da minha. O mundo é pois a minha representação - o mundo é a minha alma; - o mundo sou eu! 
(...) O mundo inteiro era apenas uma parte do meu eu: de mim, dos meus sentidos, da minha mente dependia a sua existência. Ao sabor das minhas volições as coisas apareciam ou desapareciam. Atentando, ressurgiam; abandonando-as, desfaziam-se de novo. Se eu fechava os olhos, todas as cores morriam; se tapava os ouvidos, nenhum som, ruído ou harmonia rompia o silêncio do espaço. E, última consequência: quando eu morresse o mundo inteiro seria aniquilado. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Microconto 10

Pau pra toda obra
Toda grande obra tem um pau.

Microconto 9

Livre de qualquer acusação moral
ela foi e deu pra quem quis
A liberdade deu asa a sífilis.

Microconto 8

No país das maravilhas
Alice passa o dia fazendo sexo
e andando nua.

Microconto 7

As aparências enganam?
Nada mal que você vá embora
Deixe as roupas e os discos

Microconto 6

A saliva sedenta de saudade
secou na primeira despedida
Deu adeus a boca e as convicções

Microconto 5

Desde que o mundo é mundo
que meus pés calejam de procurar
aquela velha luz que tomba qualquer aprendiz

Microconto 4

O futuro é o óbito
entretanto entre o nascimento e o óbito
existem milhares de entretantos.

Microconto 3

Os olhos  não compensam a traição
o gosto não compensa o desgosto
A pressa não compensa o gozo

Microconto 2

O nome dela era Tereza,
mas poderia ter sido qualquer nome que adjetivasse o indomável

Microconto 1

O muro que encombre a imaginação  da criança  na escola
É construído principalmente por professores
Que podam todos as asas.