segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O doce sabor da infância

Como a saudade que atormenta um grande amor, vem a saudade da infância
É como apreciar uma fruta, uma goiaba que eu comia todas as vezes que ia para a casa da minha vó
não era qualquer goiaba de supermercado, eu ia lá no pé e pegava, também não era só a fruta que atraia, era pela aventura. Subir na goiabeira e fingir ser malabarista contava com muita astúcia minha e de minhas primas. Aquela menina pequena e ranzinza que após um desmaio, sendo diagnosticada como princípio de anorexia, tão magrinha, tomando cobavital retomei a vida. As danças, os cachorrinhos e os bebezinhos eram tão interessantes, a inocência era como uma pluma que voa incansavelmente até achar seu chão, correndo contra o vento pulávamos ondas imaginárias ao acordar. A rede era o moto taxi, a agua da mangueira era o portão de entrada para o melhor clube da cidade, os pedaços de pau de fechar a porta eram nossos filhos prediletos, os bolinhos de chuva com suco de maracujá nosso piquinique. E como num salto eu cresci, esquecendo as bonitezas da infância, a saudade insolente bate a porta ao amanhecer, como uma mulher desnuda que pede por roupas, eu peço a vasta imensidão de lembranças, um espaço maior para a delicadeza de viver a melhor época da vida, a infância.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Queda, de Camus

Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfrear, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo; e eu atirava-me outra vez.

Um Homem Liquidado, de Giovanni Papini.

O mundo é a nossa representação. (...) Há alguma coisa para além da representação? É a consciência uma janela fiel dando para a realidade, ou, antes, um sistema de lentes embaciadas e riscadas pela história, que filtram só imagens falsas e sombras incertas da verdade? E há deveras qualquer coisa por trás do conhecimento, ou apenas o nada, como por trás da vida? Seria talvez apenas espelho de si mesmo, casca sem tronco e roupagem sobre o vácuo? 
(...) O mundo é representação, sim, mas eu não sei doutras representações afora as minhas. As dos outros ignoro-as, ignoro a essência dos fenômenos inanimados. As mentes alheias existem apenas como hipótese da minha. O mundo é pois a minha representação - o mundo é a minha alma; - o mundo sou eu! 
(...) O mundo inteiro era apenas uma parte do meu eu: de mim, dos meus sentidos, da minha mente dependia a sua existência. Ao sabor das minhas volições as coisas apareciam ou desapareciam. Atentando, ressurgiam; abandonando-as, desfaziam-se de novo. Se eu fechava os olhos, todas as cores morriam; se tapava os ouvidos, nenhum som, ruído ou harmonia rompia o silêncio do espaço. E, última consequência: quando eu morresse o mundo inteiro seria aniquilado. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Microconto 10

Pau pra toda obra
Toda grande obra tem um pau.

Microconto 9

Livre de qualquer acusação moral
ela foi e deu pra quem quis
A liberdade deu asa a sífilis.

Microconto 8

No país das maravilhas
Alice passa o dia fazendo sexo
e andando nua.

Microconto 7

As aparências enganam?
Nada mal que você vá embora
Deixe as roupas e os discos

Microconto 6

A saliva sedenta de saudade
secou na primeira despedida
Deu adeus a boca e as convicções

Microconto 5

Desde que o mundo é mundo
que meus pés calejam de procurar
aquela velha luz que tomba qualquer aprendiz

Microconto 4

O futuro é o óbito
entretanto entre o nascimento e o óbito
existem milhares de entretantos.

Microconto 3

Os olhos  não compensam a traição
o gosto não compensa o desgosto
A pressa não compensa o gozo

Microconto 2

O nome dela era Tereza,
mas poderia ter sido qualquer nome que adjetivasse o indomável

Microconto 1

O muro que encombre a imaginação  da criança  na escola
É construído principalmente por professores
Que podam todos as asas.