Preciso te dizer, eu já sabia. Não precisa ser mestre em adivinhações. Alguém que mora na roça sabe quando vai chover, ela vai juntando os fatos e depois: CABRUMMM! Chove. Não precisei que alguém contasse, não precisei ver nada, eu já sabia. Do que você está falando? Cadê os travessões de nossa conversa? Espera, isso tá estranho. Tem como começar de novo? A pontuação está me confundindo toda. Não, eu estou escrevendo pra dentro. Só me escuta. Quando sonhas, se é que sonhas, você se solta, solta toda essa aparência de agrados e mentiras, aí dentro é tudo podre. Você não chora, você não goza, você não ri. Mas em seus sonhos você faz tudo isso junto. Como eu sei? Instinto. Não acredita em instinto? Então como você explica eu conhecer tanto de você. A gente não vive junto, não dividimos lenções mas eu sei até quando sua respiração tá mais forte. Me calar? Não, não adianta espernear, você não está lendo isso, você não precisa saber que eu sei, mas eu sei. Senta aí, não se levante antes que eu termine, cospe no prato que comeu, engole o gozo que saiu. Não sinta tanto nojo, de tua boca já saiu coisa bem pior, mas fuja, como um gato foge do banho, fuja petrificado de toda verdade que abala tua mente, não me venha com essa síndrome de Asperger, o que você tem é apenas tédio, cada dia mais blasé.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
terça-feira, 16 de abril de 2013
quinta-feira, 11 de abril de 2013
O sopro da verdade
(Essa é para ler escutando These boots are made for walkin - Nancy Sinatra)
- Mete o dedo, mete o dedo!!!!! Só se ouvia os gritos:
- No olho, bem no olho que é pra cegar. E se via os puxões de cabelo, os pontapés com erros de mira.
- É a mãe! Sua va-ga-bun-daaaaa...
- Soc!pow!
Até finalmente se ouvir um estridente Ku klux klan. Não a "facção", mas o som da arma engatilhando e atirando, logo após tudo silencia. Aos poucos as pessoas vão se retirando, e apenas a autora do disparo dá um chute na cara para o grand finale e diz:
- A mãe não, meter a mãe no meio é sacanagem.
Não era sobre homem, não era sobre maquiagem, não era sobre moralidade, a discussão começou sobre o poder, a ascensão feminina, o exemplo da Dilma, o sequestro, a ficha suja, as armas. Até onde ia a liberdade feminina e a aprendiz de homicida solta a pérola:
- As mulheres lutaram tanto pelo poder que agora que conquistaram não sabem onde enfiar.
- Chauvinista, preciso te dar uma aula sobre a década de 1960. O que as mulheres tiveram de passar pra conseguir dar a opinião ao invés da buceta. Coco Chanel, Nancy Sinatra, Carol Hanisch e tantas outras que deram voz e ousaram em uma época totalmente dominada pelo machismo.
- Você fala isso mas apanha do marido.
- Apanho porque eu peço.
- E depois ainda fala vem falar de independência. Que mulher em sã consciência gosta de apanhar do marido?
- Aqueles que pedem, oras. E isso nada tem a ver com independência e direitos iguais, tem a ver com sexualidade, escolhas e fetiches. Freud Explica.
- Porra de Freud, cara mal comido.
- E o que você entende de psicanálise? Nada, você é uma mentecapta que nasceu com o polegar opositor por acaso.
E por aí continuou a briga até os confins do diálogo racional, quando a futura defunta abre o berreiro :
- E ser corna, tem a ver com liberdade sexual? Porque eu dormi com seu marido, agora vai dizer que não se importa? Que tem um relacionamento aberto e livre de preconceitos? Quero ver até onde seus paradigmas de mulher moderna vai.
E lá se vão todos os discursos apoiados em anos de estudos estratégicos sobre felicidade, relacionamento, terapia de casal, dissertações e teses. Quando a humanidade vem a tona, abre espaço para toda a ultraviolência latente e tudo o que se vê agora é uma roda para a briga das duas irmãs no barzinho do Zé Pinguço e só se ouve um único tiro fatal, justo na garganta. Há quem diga que eram inseparáveis, nunca haviam brigado por nada, tomavam até calcinha emprestada, agora não toma mais.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Picotes da madrugada
(Para ler escutando Ella
Fitzgerald)
Os dois conversavam de madrugada sob a mesma cama dividindo
o lençol e buscavam entrar em consenso sobre a efemeridade dos relacionamentos.Ela
lembrou vagamente do livro da Hilda Hilst que havia lido dias atrás, ele
lembrou do que leu no jornal e disse:
- Você
é de que?
- Eu sou pêssego
- Não! Digo, qual seu signo,
virgem? Peixes? Câncer?
- Pois é, eu sou pêssego, acabei
de inventar.
- Mas por que pêssego?
- Dentre as milhares de frutas
que conhecemos, desgustamos e desconhecemos o pêssego existe unicamente para o deleite do paladar e da
pronúncia. Existem sabores que se encontram e até se confudem. Se colocar uma
venda nos olhos e oferecer-te vários alimentos, entre eles , o pêssego se destacará. Não é qualquer fruta, não se
come no dia a dia...
- Eu nunca comi pêssego.
- Viu?!
- Hã?
- Porque você nunca comeu
pêssego?
- Porque nunca me interessei em
provar, nunca nem vi no supermercado.
- É bem por aí a questão, os
pêssegos não tem e nunca teve a pretensão de ser uma fruta conhecida como a
maça, a laranja ou a banana. Ela é fruta dos que sabem apreciar um paladar
diferenciado, daqueles que constroem uma trama para conhecer coisas diferentes.
Não que você não esteja apto a entrar nesse mundo, mas é ainda desconhecido.
Talvez como uma virgem deseja provar da primeira vez com todo o entusiasmo e a
mágica de esperar flores e vinho do outro. Se ela encontrar um pêssego não vai
se decepcionar, mas se escolher uma maçã podre irá amargar em sua boca, embora
a podridão também tenha seus encantos. E, talvez ela nem esteja afim de
pêssego, talvez queira mesmo a maça ou a banana. As pessoas fogem do pêssego
por medo do preço, por isso escolhem a maça e a banana por saber que o valor é
mais acessível.
- Agora você é uma mercadoria?
-Você entende de metáforas? É que
as vezes pareço estar em outra dimensão, com outro dialeto e vai que...
- Lembro de ter estudado isso
anos atrás, mas tá dando pra acompanhar mais ou menos, só não entendi... é pra comprar ou não o pêssego?
- Hummm, então... o preço do
pêssego é uma assimetria, é algo que embora seja caro seu valor é
inquestionável. Por isso sou o pêssego, não atendo ao chamado do comprador que
não está reparando no valor nutritivo de sua “compra”, que se vê ansioso pela degustação,
mas que procura nessa fruta a diferença, espera a oportunidade e sabe que não
encontrará no mercado tradicional.
- Então você está dizendo que é
uma fruta cara e só te compra quem tem dinheiro?
- Não literalmente, jumas!
- Jumas?
- Jume... esquece. Toma seu vinho
e vá para casa que já esta amanhecendo.
Assinar:
Postagens (Atom)