domingo, 11 de novembro de 2012

L'homme révolté - Albert Camus


A Queda

É como génese da revolta que o  tem lugar e só nessa medida podemos compreender a revolta, os sentimentos que lhe estão na base e as consequências que dela advêm. Mas  por que motivo? Porqueacontece que os cenários desabam. Os gestos de levantar, o carro – eléctrico, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, carro – eléctrico, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, esta estrada segue-se com facilidade a maior parte do tempo. Só um dia o ‘porquê’ se levanta (…).i É este "porquê" que nos torna estranha toda a nossa cadeia de hábitos e é neste preciso momento que a nossa vida começa a ruir- este é o momento do absurdo, o qual não é mais do que a estranheza do mundo, o mal-estar que sentimos, a "náusea", como lhe chamou Sartre, sendo na morte que ele adquire toda a sua grandeza. A morte é o desconhecido, o inefável e mais do que nunca nos põe face a face com a pergunta pelo sentido, isto é, vale a pena ter esperança apesar de tudo ou é preciso matarmo-nos?
O ser humano tem uma sede desmesurada de absoluto; quer compreender o mundo, quer reduzi-lo a si mesmo, quer fazê-lo seu, só que entre o mundo e o homem há um grande divórcio. Não se trata de uma exclusão ,mas antes de uma presença comum de duas realidades que são mutuamente alheias e ininteligíveis.
Tanto de si como do mundo, o homem só conhece estilhaços, pedaços aqui e acolá que de forma alguma lhe proporcionarão um verdadeiro conhecimento. De nada servirão ao homem as mais perfeitas e acabadas teorias da ciência que perversamente tudo pensam explicar, quando nem de si próprio o homem tem certezas!
O divórcio, a distância que separa o desejo incomensurável de unidade e de clareza do mutismo do mundo, é o próprio absurdo. Esta falta de coincidência entre o homem e o mundo, entre o homem e a natureza, abre um fosso entre o homem e as forças que o rodeiam e o absurdo expressa precisamente esse momento em que "se quebra a aliança com as coisas". Ao mesmo tempo que é divórcio, o absurdo acaba por ser o único elo de ligação entre o próprio homem e o mundo. No entanto, isto não conduz ao desespero na medida em que agora não se trata de medir a vida em termos de ter ou não ter sentido, pois é precisamente o "não ter sentido" que confere à vida um sentido, ou seja, não ter sentido é o seu sentido. Sendo esta a única certeza do homem, trata-se de saber se é, e como é possível viver com o absurdo. Mas se o absurdo é essa tensão entre o mundo e o homem, há que condenar necessariamente o suicídio na medida em que este seria a eliminação de tal divórcio; eliminar um dos pólos desta dicotomia (mundo/homem) será eliminar o absurdo- é necessário, pois, que se mantenham numa tensão perpétua.
De facto, todo este universo de angústia, de impotência e, por outro lado, o desejo de unidade não são tão originais de Camus. Muitos filósofos e pensadores nossos conhecidos se familiarizaram com esta temática: Kierkegaard, por exemplo, mais do que descobrir o absurdo, viveu-o de uma forma desesperada; Jaspers defende o nada como única realidade e o desespero como única atitude; Heidegger afirma-nos uma existência humilhada…
Tanto Kierkegaard, como Jaspers ou Heidegger se situam num espaço onde não há lugar para a esperança, só que embora tenham partido, de facto, do universo do absurdo acabaram por divinizar tudo aquilo que os oprimia, encontrando, por fim, a esperança, esperança esta de ordem religiosa. Jaspers dá um "salto" e transforma o absurdo em Deus ao afirmar um sentimento supra – humano da vida. A partir do momento em que a noção de absurdo serve de "ponte para a eternidade", já não está de forma alguma ligada à lucidez humana . O "salto" para Deus é o próprio fim do absurdo enquanto tal. É necessário que não exista esperança- este é o pressuposto da luto entre o homem e o absurdo.
Penso que é importante ter aqui em linha de conta a dificuldade de Camus na sua relação com Deus; por uma lado a inegável presença da ideia de Deus e, por outro, o inegável sentimento da sua ausência.
Ainda em Kierkegaard, o desejo de clareza deve renunciar a si mesmo para encontrar satisfação e isto não é mais do que dizer ao homem absurdo que haverá um final em que todas as contradições não passarão de jogos, isto é, há também em Kierkegaaard lugar para a esperança. Por isto mesmo, o homem absurdo não é o de Kierkegaard, mas sim aquele que se mantém fiel ao absurdo -a evidência que o despertou do seu sono fastidioso e quotidiano.
Olhar o absurdo é fazê-lo viver, e fazer viver o absurdo é viver! Se é necessário que se viva esse absurdo, se é necessário que não nos afastemos dele, só há uma saída coerente: a revolta. Esta revolta não é mais, no fundo, do que a luta eterna entre o homem em si e a sua opacidade.

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