1 AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS DA MODERNIDADE
1.1 Contrastes entre mercantilismo e liberalismo
As transformações que ocorreram do século XVIII em diante demonstram porque as denominações “Moderno e Pós-moderno” tornaram-se tão utilizadas para designar essas mudanças, que abarcaram praticamente todos os aspectos da vida humana. A política, a sociedade, os costumes, a economia, todos foram afetados por essas “reformas”. As instituições, como também as várias formas de Estado, os sistemas econômicos, a família, a cultura, foram de alguma forma modificadas pela ação do homem em conjunto com a dialética.
Autores clássicos da economia como Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill, foram defensores de uma mudança do sistema mercantilista, que se iniciou em meados do século XVII. O mercantilismo é mais visto pelos estudiosos como uma transição entre feudalismo e capitalismo, do que propriamente um sistema. Smith foi um dos principais expoentes desse movimento. Sua obra mais conhecida é “A riqueza das nações”, na qual ele defende o liberalismo econômico, teoria que criticava a intervenção do Estado nas relações econômicas e defendia que o sistema econômico deveria se auto-gerir. No mercantilismo acreditava-se que a acumulação dos metais preciosos era a fonte de riqueza de um país e, portanto o Estado deveria tomar medidas para evitar a saída de tais metais do território. Para o liberalismo, essa prática é inútil, uma vez que a riqueza não consistiria propriamente na acumulação dinheiro, mas no seu poder de compra e circulação.
As teorias dos economistas clássicos impulsionaram um novo pensamento de liberdade econômica que não estivesse mais sob as rédeas do Estado, e juntamente com a crise do mercantilismo fora imprescindível para o desenvolvimento do capitalismo. Possibilitando a expansão do mercado e maior circulação de mercadorias, as idéias liberais e suas práticas decorrentes influenciaram profundamente a modernidade, delineando uma nova concepção de homem e de mundo presente até os dias de hoje.
1.2 O desenvolvimento do Estado moderno
Quando se discute teoricamente o surgimento, desenvolvimento e função do Estado, tem-se duas matrizes, a saber: a marxista e a weberiana. A primeira se ocupa da crítica ao Estado, afirmando que este é um elemento indispensável à garantia da dominação de uma classe sobre outra, utilizando-se de meios coercitivos. Já a análise de Weber atentou para o estudo do Estado como instituição burocrática e racionalizada, que teria a função de ordenar a sociedade.
Ainda não há um consenso entre os historiadores quanto à data de surgimento, local e termo apropriado. Quanto à data, a maioria aponta o século XVI, enquanto outros adiam para o século XVII ou voltam para o século XV. Quanto à nomenclatura, existem as denominações de “Estado ou monarquia moderna” e “Estado corporativo ou de ordens”.
Sob os estudos da historiografia, o aparecimento do Estado absolutista pode ser encarado a partir de fatores diversos. Os historiadores costumam apontar a guerra ou a religião, ou até mesmo a luta de classes como algumas das condições propiciadoras do surgimento da instituição estatal. No campo da sociologia, o holandês Norbert Elias deu uma enorme contribuição para um entendimento positivo do Estado, explicitando o seu papel no processo civilizador. Já o filósofo Michel Foucault denunciou o poder disciplinador dentro das várias instâncias da sociedade.
O historiador Modesto Florenzano situa geograficamente o surgimento do Estado moderno na Itália, onde ao longo dos séculos XIV e XV foram implementadas inovações na arte da guerra, nos procedimentos burocráticos e nas atividades diplomáticas. Tais elementos renovados dessa maneira repercutiram em um novo aparelho estatal, profissionalizado e formalizado.
Tendo em vista esse desenvolvimento político ocorrido na Itália, houve um processo de difusão dessas novas técnicas de governar, de modo que França e Inglaterra puderam tornar-se paradigmas nessa área. Entretanto, apesar de a Itália ter sido pioneira nessas condições técnicas de sustentação da máquina estatal moderna, ela não logrou êxito, pois faltava-lhe a formação social unificada, posto que era na verdade “uma nação de nações”, e não havia sentimento nacionalista que envolvesse todas as nações.
1.3 Relações entre o psicológico e o político
Além desses estudos mais tradicionais no campo político, existe uma contribuição importante dos estudos culturais. Um exemplo interessante é a obra de Claudine Haroche, intitulada Da palavra ao gesto, que faz uma abordagem psicológica e afetiva das relações entre o rei absolutista e seus súditos.
Haroche baseou-se nos estudos de Pierre Ansart (nascido em 1922 na França), cujo objetivo era:
“Elucidar as figuras da afetividade coletiva, as formas de sensibilidade política que exigem o controle de si; a política afetiva que se exerce de maneira contínua e, freqüentemente discreta, pelo exercício de uma dominação silenciosa, pelos rituais dos corpos, das posturas, dos olhares e expressões” (HAROCHE, 1998, p. 52).
Dessa forma, torna-se importante a relação entre amor e política, que é extremamente importante para a manutenção da monarquia absolutista. Essa forma de controle se dava sutilmente, por meio de gestos e olhares que os corpos expressavam, através de jogos e técnicas corporais, como a genuflexão. Essas posturas tinham o objetivo de inculcar sentimentos de amor e respeito ao rei e, por conseguinte, despertando um sentimento político.
Uma questão muito importante nessa submissão era a etiqueta, a qual era usada para fins políticos de dominação e domesticação dos corpos. Os mínimos detalhes de uma etiqueta mal representada poderiam expressar o que não era dito em palavras, ou seja, qualquer rastro de uma possível conspiração contra o rei.
A reserva que se aplica aos súditos também deveria ser utilizada pelo soberano; este deveria mostrar-se circunspecto, transparecendo um ar de mistério que inspira respeito nos servos. Concluindo, Haroche afirma que “o trabalho do político sobre os sentimentos e os corpos e a gestão dos sentimentos políticos necessitam um longo trabalho histórico sobre as relações entre o psicológico e o político.” (HAROCHE, 1998, p. 60)
REFERÊNCIAS
SMITH, Adam. O princípio do sistema comercial ou mercantil. In: A Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. p. 415-434.
FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do estado moderno no ocidente. Lua Nova, São Paulo, n 71, 2007.
HAROCHE, Claudine. O trabalho do poder político sobre os sentimentos e os corpos: fazer amar, fazer respeitar o rei na monarquia absolutista do século XVII. IN : Da palavra ao gesto. Campinas, SP : Papirus, 1998, p. 51-63
POR ALEXANDRE RIBEIRO E IVILA RENATA
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