Saíra correndo do palco sem ninguém entender. Correu ao bar mais distante, pousou em uma cadeira a chorar solilóquios, gastando todos os lenços possíveis ligou para a única pessoa que poderia lhe atender aquela hora da madrugada, sua amiga de infância. Não entendia porque, justamente em seu grande dia ele fizera aquilo, justamente com aquela mulher. Ele, homem respeitado da sociedade. Ela, mulher elegante, loira, inteligente, pra homem nenhum botar defeito e independente. Dos piores pontos fracos, justo o ciúme a fez derramar lágrimas públicas. Ela sabia desde o início que ele era casado, mas nunca havia visto os dois juntos. De mãos dadas, perfeitos e intocáveis, cheios de amigos. Porque justo na apresentação que engendraria sua carreira de cantora ele fez tal desatino? Queria ficar bêbada, queria secar os olhos com todas as lágrimas possíveis, queria expurgar todo seu ódio e sua miséria diante de sua amiga. Não queria conselhos, não queria boas-novas, queria apenas gritar. Agora que saíra correndo, fazendo um papel ridículo de menina melindrosa jamais teria outra oportunidade, só a vingança acalmaria seu coração. Como ferir alguém que tanto você preza? Não sabia bem o que fazer. Tomou 5 doses de tequila, entregou sua amiga em casa e então resolveu ir pra casa, já era quase dia. A casa vazia novamente, o canto solitário de um tenor na vitrola invadia o quarto. De repente leu um antigo recado que deixou a 'si próprio após ler um livro de Garcia Marquez , "não há lugar mais triste no mundo que uma cama vazia" e se lembrara de quantos amantes a possuiu em sua cama, de quantos abraços e beijos foram perdidos, de quantos juramentos em vão foram feitos, de quanta eternidade a envolveu, de quantos lenções sujos de gozo lavou, de quantos batons teve de mudar e esconder para não ser achada, de quantas arranhadas teve de segurar pra não entregar seus amores, de quantos chatos teve de se livrar, e de quanto a vida lhe devia um amor livre, que não tivesse amarras sociais, culturais, matrimoniais, quanta sacanagem a vida lhe trazia, de mulheres que sofriam em casa enquanto seus maridos eram amados e chupados em seus braços. Quanta misantropia sentia por vezes ao dormir, quanto ódio gratuito. Se lembrara então da noite anterior, como acalmar um coração felino e machucado de orgulho ferido? Como continuar sendo mulher e amante sem parecer frágil. Decidira então escapulir dessa tragédia diária, ignorar seu próprio tesão, seu próprio desejo incompreendido , negar a si mesmo e ao outro. A partir de hoje iria ignorar a existência do outro em prol de seu amor-próprio, mas não era aquele orgulho ferido que lhe impôs essa armadura. Aprendeu com a vida a se fortalecer com as próprias tragédias diárias, a não esmorecer, a tratar amantes como amantes, flores como flores e amores como eternos.
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